Por MARCELO MIRANDA 06/08/09 – 18h15
Foto: Charles Silva Duarte
“Se o artista chega na hora, ele perde o valor”, diz Elza Soares, quase 50 minutos depois do horário marcado para a entrevista. E logo emenda: “É mentira. Eu que acordei muito tarde mesmo”.
Elza Soares é a artista por excelência. Em encontro com a imprensa mineira, na manhã de quarta-feira, chegou de cabelão grená (poderíamos falar em “red power”?), longos brincos em forma de folha, meias, botas, óculos escuros e jaquetinha branca sobre couro negro. “Meu lado moleque nunca saiu de mim. Você já parou pra pensar que sou uma filha de lavadeira, que catava comida junto com urubus, e virei uma artista famosa no mundo todo?”
Isso ninguém pode negar. E é para valorizar a trajetória de Elza que a documentarista mineira Elizabete Martins tem acompanhado a cantora em todo lugar, no intuito de registrar seu cotidiano e, em breve, montar um filme. “Ela é naturalmente mágica e, no palco, sempre me remeteu à ideia do espetáculo que o cinema pode ser”, exalta Elizabete – ou simplesmente Bete, como é conhecida no meio audiovisual. “A criatividade da Elza foi o que lhe deu força para ela superar todos os obstáculos.”
Elza conta não ser a primeira vez que tentam levar sua vida ao cinema. Porém, nas propostas anteriores, o foco não a agradava. “Ficavam muito fechados na minha relação com o Mané[Garrincha], nas bebedeiras… Eu não sou isso, né?”
Em Bete, encontrou a sensibilidade que acredita ser necessária para falar sobre seus principais passos como artista e mulher vitoriosa. “Não quero que façam comigo o que fizeram com o Wilson Simonal. Ele sofreu aquilo tudo, morreu e só depois fizeram um filme como se fosse pedido de desculpas”, afirma. E dispara: “Tem que homenagear em vida. Depois que morre, o artista vira nome de rua.”
Sem data. Por enquanto, Bete Martins trabalha com recursos próprios e parcerias. Está na fase de captação de imagens. O filme vai mesclar momentos de dia a dia com encenações, algumas protagonizadas pela própria Elza Soares. “Estamos até agora com 19 horas de material de pesquisa e já filmamos um sonho em que a Elza se vê como escrava num calabouço em Ouro Preto”, adianta.
O objetivo maior é transmitir a noção de uma Elza Soares atemporal, espécie de força da natureza. Nada que não condiza com a visão da própria sobre si mesma. “Sou uma louca saudável. Temos muitos loucos que deixaram grandes trabalhos, como Raul Seixas, Lobão, Tom Zé, Jards Macalé, Cássia Eller. Faço parte dessa falange!”. Mas o que, afinal, é essa loucura toda? “É o nu, é a ousadia, é o extravasamento.”
Jazz. Como boa louca, portanto, Elza Soares não sossega. Nas horas de “folga”, tem se internado em estúdio para gravar o primeiro disco de jazz. “Sempre cantei com ‘big bands’, fui amiga de Ella Fitzgerald, fui descoberta pelo Louis Armstrong… Sempre tive vontade de fazer um disco desses”, celebra. “E vou cantar em inglês! Estou tendo aulas pra poder falar direitinho.”
A inspiração maior, porém, é a diva Nina Simone – dela, Elza canta a composição “Strange Fruit”, cujo tema versa sobre escravos negros. Mas a favorita da cantora, dentro do repertório em andamento, é “Summertime”, imortalizada por Janis Joplin.
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